Não é uma igreja, mas era.
Já explicamos.
Vamos só começar pelo que não aconteceu.
Ou até um pouco antes disso.
Dois músicos da zona de Lisboa viram-se, como tantos outros companheiros de profissão e amigos, órfãos de um espaço que lhes permitira trabalhar durante vários anos com uma liberdade maior do que a que estavam acostumados noutras paragens: o 15-A, do artista plástico e músico João Paulo Feliciano, casa da Pataca Discos.
O espaço fechou — fruto das mudanças que vão tomando a cidade de Lisboa e tornaram apetecível um sítio que antes era periférico — e com ele as possibilidades que ali se encerravam. O fim de uma era.
Os dois músicos, que nos entretanto tinham passado de “novos talentos” a outras fases mais consolidadas das respetivas carreiras, choraram o fim da era, como tantos outros companheiros de profissão e amigos.
Que lugar ia ocupar aquele que assim tinha sido deixado vago?
E, visto que tal lugar não existia, quem tomaria a iniciativa de o tentar inventar?
Acendeu-se uma luz. Um estúdio abandonado em Campolide — o mítico Xangrilá, outrora Estúdios Arnaldo Trindade, antes disso Polysom, fugazmente estúdio B do Namouche — estava à venda.
O seu historial de gravações parecia justificar o salto de fé que implicava para os dois músicos tentarem metamorfosear-se em empreendedores para assim, de uma assentada, recuperarem e honrarem camadas da história da música gravada em Portugal e permitirem que nova música fosse tocada e gravada num espaço com uma história inigualavelmente rica.
Convocaram-se os amigos e companheiros de profissão, sondaram-se e confirmaram-se os entusiasmos, alinhavaram-se parcerias.
A história, o presente e o futuro tão plenamente encaixados faziam com que o projecto, por muito ambicioso que fosse, parecesse quase fadado ao sucesso.
Só que o negócio não avançou.
Pensaram os dois músicos: “se não deu aqui, se calhar não é para dar”. Mas depois pensaram mais um pouco.
Se era certo que a simetria história-presente-futuro daquele espaço tentado era impossível de replicar noutro lugar, era também certo que a sinergia que os dois músicos haviam criado com os amigos e companheiros de profissão convocados para aquele intento tinha ganho vida própria.
O que fazer com tanta energia e vontade de criar um lugar, agora que ele tinha parecido tão possível?
Pois, continuar à procura. E pouco tempo depois, o lugar apareceu. Não era um estúdio com décadas de história, não.
Era uma igreja baptista criada de raiz na cave de um prédio edificado em 1974, perto do Jardim Zoológico.
O espaço era amplo, sem divisórias. Subindo as escadas havia um escritório e um terraço aninhado entre as traseiras dos edifícios não muito altos a toda a volta. A história começava ali, e vai ser boa.